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Diversidade: por mais mulheres no mercado editorial
09 de Setembro de 2022Além de identificar a desigualdade de gênero no mercado editorial, é necessário trazer o problema à consciência da sociedade e debatê-lo
Em mais de 100 anos de existência, apenas duas mulheres ocuparam o cargo máximo de liderança: Bodour Al Qasimi é a segunda presidente da International Publishers Association (IPA) – Associação Internacional dos Editores, em tradução livre. Antropóloga, é também fundadora da editora infantil Kalimat Group e ativista pela diversidade e inclusão de mais mulheres no mercado editorial.
A própria experiência com a radicada discriminação de gênero no segmento fez com que Bodour criasse o movimento PublisHer, que tem a missão de incentivar e promover a carreira editorial de mulheres, além de fomentar a autoconfiança e a autoestima profissional.
A diversidade faz parte dos Compromissos Cogna por um Mundo Melhor e é amplamente trabalhada pela companhia, que, no início deste ano, por meio da Saber – empresa da holding, propôs a realização da primeira edição brasileira do PublisHer.
“Vínhamos de muitos contatos com associações internacionais, puxando a organização ou sede de diversos eventos na área. Organizamos o primeiro fórum de Editores Educacionais da América Latina, por exemplo. Receberíamos aqui, na Cogna, os principais nomes do setor editorial nacional e do exterior para discussões de futuro e pontos em comum. No meio das conversas, surgiu uma inquietação: por que não aproveitar tanta gente boa do mercado que estará em São Paulo para o primeiro evento PublisHer no Brasil? A Saber respira os dois temas: mercado editorial e liderança feminina. Tem grande parte dos negócios calcados em conteúdo e edição, e a maioria dos colaboradores é mulher. Então, fazia todo sentido trazermos essa discussão. Organizando o evento, sabíamos o quanto aprenderíamos e repercutiríamos os temas dentro de casa. Duas pessoas de fora da Saber foram essenciais: a Karine Pensa, vice-presidente da IPA, que logo comprou a ideia e foi extremamente generosa nos ajudando com dedicação; e a própria Bodour, que não coube de tanta alegria quando soube do nosso interesse em organizar o evento aqui”, conta Flávia Bravin, Doutora pela Universidade de São Paulo e Head da Saber.
“Em toda a minha carreira, nunca tive uma chefe mulher. Quando temos a oportunidade, como mulher, de estar em uma posição de liderança, a responsabilidade de ser exemplo, de ajudar, de criar uma rede é enorme – e um dos motivos pelo qual nos empenhamos para organizar um PublisHer no país”, complementa ela.
Flávia explica que o movimento surgiu em 2019, da dor de Al Qasimi em um mercado editorial pouco amigável para as mulheres, com poucas na liderança, repleto de situações inóspitas – que a própria presidente da IPA presenciou em eventos e reuniões do setor. “O PublisHer busca o fomento a uma rede internacional de mulheres que trabalham no mercado editorial, além de formação e capacitação do debate sobre os desequilíbrios de gênero arraigados no segmento. A proposta dos eventos do PublisHer, no Brasil e no mundo, é aumentar a rede, trazer novos apoiadores e chamar a atenção para a igualdade de gênero no mercado editorial. As ações incluem encontros apenas para convidados, discussões, fóruns de networking de negócios e intercâmbios on-line, com o objetivo de fortalecer a comunidade e criar mudanças positivas”, observa.
Pela boa localização – de fácil acesso aos participantes – e também pelo ambiente afetivo e acolhedor, a sede da Cogna foi o local escolhido para a realização do evento, que aconteceu em julho. “Cerca de 50 mulheres, das mais variadas áreas e com diversas experiências e histórias, lotaram nossa sala do 1º andar. Entre as participantes estavam CEOs de editoras, diretoras, gerentes, editoras e assistentes; profissionais de casas brasileiras, argentinas, árabes e multinacionais; presidentes, ex-presidentes e futuras presidentes de associações como a IPA; profissionais que acabaram de entrar no mercado ao lado das que fizeram história e desbravaram o terreno mais de 50 anos atrás. As três únicas mulheres que passaram, estão ou estarão no comando da Associação Internacional dos Editores, compartilharam suas experiências de forma aberta e emocionante”, relata Flávia.
Ela ainda chama a atenção para a tamanha relevância e o poder de transformação do evento: “A importância desse movimento é gigante. Se perguntar para qualquer pessoa que esteve presente, ela dirá que saiu diferente do que entrou. Encontrou histórias parecidas, exemplos para compor sua forma de pensar e se inspirar. E quem não conseguiu vir, comenta que quer demais estar no próximo”. E as mulheres que não puderam comparecer terão essa oportunidade. “Estamos organizando o próximo, desenhando um em Minas Gerais, dado o interesse de uma participante da Câmara mineira de livros, e também onde temos forte atuação, com profissionais do nosso time e por origem de boa parte da história da Cogna com a Pitágoras”, revela.
O debate vai além quando a questão é como lidar com a desigualdade de gênero no mercado editorial e o que fazer para mitigá-la: “Precisamos primeiro identificar o problema, trazer à consciência de que ele existe e falar a respeito. Entender e promover debates sobre a desigualdade é o que constrói a base para os próximos passos. Vamos entendendo causas e efeitos, nos ajudando com exemplos e ações de outras áreas, ganhando maturidade. E, depois, é agir; ter um plano, arregaçar as mangas tanto do nível institucional, com ações do setor e da empresa, quanto da contratação à retenção, ao crescimento e à promoção”.
E Flávia é uma incentivadora nata. “De tudo que vivi na minha carreira, sempre me impressionou a força da rede. Cada vez que ganhei um novo desafio ou vi uma outra mulher sendo promovida, por exemplo, o quanto eu recebia de parabéns em nome das mulheres e o quanto ficávamos felizes com colegas que também foram assumindo novas responsabilidades. Sendo edição e educação processos colaborativos, nossas relações também precisam ter o mesmo espírito: de parcerias genuínas”, finaliza ela.
Saiba mais detalhes sobre a primeira edição do PublisHer no Brasil em publishnews.com.br.
“O que esperamos para o futuro é publicar mais mulheres doutrinadoras e pautar os temas de perspectivas de gênero no Direito. Além disso, é preciso trazer um olhar decolonial e antirracista para as publicações. A editoria de conteúdo jurídico possibilitou o diálogo com doutrinadores que fizeram parte da minha formação acadêmica. Poder ler, em primeira mão, as interpretações de leis e decisões que impactarão a sociedade, e propor interferências nesse texto antes de torná-lo público é um trabalho que gera muita sensação de pertencimento e impacto social. Quem trabalha com a linguagem sabe que com a escolha de um verbo é possível destruir um estereótipo de gênero ou fazer a sua manutenção em uma frase com sujeito feminino. Independente do cargo ocupado, é possível fazer a diferença; há de se achar as brechas. A teórica feminista e intelectual estadunidense bell hooks confrontou a Academia com o uso da grafia de seu nome em letras minúsculas: a ideia era mostrar que suas obras e legado eram mais importantes do que o protagonismo acadêmico.”
Iris Ferrão, editora jurídica da Saraiva Educação
“Eu acredito que o PublisHer vai abrir espaços para que as mulheres possam compartilhar experiências, o que é um ponto fundamental na vida profissional feminina de hoje. Às vezes, ficamos em dúvida se devemos masculinizar a nossa maneira de agir para estar mais integradas ao meio de trabalho. E nem sempre essa é a melhor solução. Ao conversar e conhecer outras vivências, ganhamos autoconfiança e suporte para agir de maneira coerente com nós mesmas.”
Miriam Gabbai, fundadora e presidente da Callis Editora
“Fui a primeira mulher a ser presidente da IPA, apenas em 2004, depois de mais de 100 anos de presidentes homens à frente da Associação. Assim, fiz da minha vivência uma alavanca e motivação para ajudar a próxima mulher no cargo, a Bodour.”
Ana María Cabanellas, fundadora de diversas editoras e presidente da Editorial Claridad; além da primeira presidente mulher da IPA, também foi presidente da CADRA (RRO da Argentina) e da Câmara Argentina del Libro e da GIE
“O movimento PublisHer nos mostra como é importante estarmos perto, trocar experiências e incentivar umas às outras, afinal, assim como em todo mercado, normalmente precisamos dar provas extras de competência para galgar posições e é muito bom ter uma rede de apoio que conhece as dores e as delícias da profissão!”
Renata Muller, diretora geral da Abrelivros, apoiadora da edição brasileira do PublisHer
“Mais do que a faculdade, a Companhia foi minha verdadeira escola. Eu só tive chefes mulheres que, além de serem grandes inspirações, também foram grandes mentoras, que ensinaram tudo o que sei hoje. Ser mulher é lutar o tempo inteiro. Ser mulher editora é lutar com as armas que a gente tem, que são os livros. Desde padronizar “presidenta” nas obras que a gente publica até compor um catálogo com livros que defendem a igualdade e os direitos humanos. Não adianta as editoras investirem em livros com diversidade só porque eles vendem ou só para criar uma ilusão de que defendem esses ideais. Precisamos de ações afirmativas, que mostrem um compromisso em tornar o mercado editorial mais diverso – não só nos livros que a gente publica, mas também na equipe dentro das editoras. Nossa responsabilidade está também dentro dos livros: das temáticas que escolhemos publicar e das que rejeitamos; da caracterização dos personagens; da história que os livros irão contar – principalmente no meu caso, que trabalho com YA, em uma etapa tão importante de formação do leitor e da fase adulta.”
Nathalia Dinambro, Fellow pela FBF e Editora na Companhia das Letras; formada em Produção Editorial, com trabalho de conclusão de curso sobre mulheres no mercado editorial
“Meu sonho era sair da área financeira e trabalhar na produção de livros. Mas ouvi do então gestor da área que aquilo era trabalho de homem e que, era apenas eu olhar para o departamento, que veria apenas homens trabalhando ali. Demorou mais do que eu gostaria, mas tenho orgulho de dizer que eu fui a primeira mulher da área. E, depois dessa mudança, nunca mais saí do segmento editorial.”
Cecilia Coutinho Martins, editora de Legislação da SaraivaJur
“O que a gente discutiu aqui hoje também vivemos no nosso lar. Sou mãe de um menino e vejo o quanto a educação, as minhas escolhas e as minhas atitudes farão a diferença. Ainda vejo preconceito dentro da minha própria família se meu filho quer brincar de casinha.”
Adriana, coordenadora editorial da Saraiva Educação
“Estamos aqui para ajudar mais mulheres a chegarem lá, independentemente do que o lá de cada uma seja – se é ter sua editora, se é ser agente, uma profissional liberal, CEO, autora. E não é porque podemos ser tudo e ter tudo, que precisamos ter tudo, que precisamos continuar nos cobrando dessa forma”.
Flávia Bravin, Head da Saber e colaboradora deste artigo
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